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segunda-feira, 23 de julho de 2007

Que vivam as causas! Morte aos efeitos?

A contradição exclamada no título deste artigo caracteriza perfeitamente a maneira como se pretende lidar com a maior parte das dificuldades nacionais: trata-se de acabar com os efeitos preservando suas causas no sacrário das coisas intocáveis. É perfeitamente admissível que o povão se deixe iludir pela denúncia e pelo aparente combate dos males visíveis. No entanto, quando essa é a atitude do intelectual, ou daquele que se dedica à vida pública, ou do detentor de mandato, ou do que tem responsabilidades perante a opinião pública, bem, nesse caso, embusteiro é a palavra que melhor o designa. Pretender corrigir efeitos sem atacar aquilo que os produz é evidência de desavergonhado afeto a ambos.
Está na ordem do dia essa coisa horrorosa chamada Agência Nacional de Aviação Civil, aparelho petista e cabide de empregos para companheiros tão estranhos e alheios às funções do órgão quanto íntimos e próximos do partido e da base do governo. Mas, sabemos todos, a ANAC é, neste exato momento, apenas a cabeça mais visível da monstruosa Hidra de Lerna da administração federal, com centenas de cabeças, onde dezenas de milhares de operadores correspondem ao mesmo perfil e reproduzem os mesmos males. Como se resolve isso? Atacando a causa. Organizando a administração pública do modo como fazem os países bem geridos, aqueles onde as coisas funcionam, ou seja, retirando da mão do governo a caneta que dispõe sobre os postos administrativos, sobre as estatais e sobre as portas de tantos cofres. Simples como isso, mas tão difícil de acontecer quanto o leitor bem pode imaginar, até porque o olho de quem está na oposição enfoca, com volúpia, exatamente essa caneta, esses cargos e esses cofres.
Temos partidos em excesso? O Congresso Nacional, com tantos líderes de bancada revestidos de prerrogativas regimentais, ou está congelado ou se arrasta em câmera lenta? É impossível conter o abuso do poder econômico nos pleitos parlamentares? As corporações dominam o parlamento? Quem pode controlar os gastos reais da campanha de um candidato em quinhentos municípios? Pois é. Nossos legisladores querem resolver tais coisas com financiamento público, cláusulas de barreira e proibindo a distribuição de chaveirinhos e camisetas... Fala sério! Num sistema de eleições distritais o número de partidos cai, se tanto, para meia dúzia, todas as campanhas se fazem sob os olhos do juiz eleitoral e do promotor do distrito, as distorções saltam às vistas de todos, inclusive dos eleitores e acaba a representação política dos grupos de interesse.
Mensalão, distribuição de emendas parlamentares, o escambau? Precisamos de ética e a ética resultará da justa indignação dos bons! Será isso suficiente? E por que não atacar a causa, atribuindo as responsabilidades de governo à maioria parlamentar em vez de obrigar o governo a compor e manter essa base aos custos conhecidos? Você sabe porquê. É o desavergonhado amor às causas e suas conseqüências.
Por Percival Puggina

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