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sábado, 19 de janeiro de 2008

DEMOCRACIA?...ONDE?!!


© 2008 MidiaSemMascara.org
Confirmou-se o que eu afirmei no último artigo: com tantos assaltos à liberdade individual em franca progressão neste país quais são as queixas dos grandes partidos da “indômita (sic) oposição”, bem como dos ilustres magistrados e do funcionalismo público? O DEM entrou no Supremo com uma queixa contra as ameaças à liberdade e às manifestações artísticas? O PSDB ameaça no Congresso boicotar o SINAMOB, o controle sobre nossas movimentações financeiras, o PL 29 ou as pretensões da ABIN? Não, não e não: todos estão protestando contra o aumento do IOF ou da CSLL ou às perspectivas de terem garfados os aumentos de seus já milionários salários ou suas Emendas ao Orçamento. NO BOLSO NÃO, JOÃO, NO BOLSO NÃO! E já se cogita de uma CPMF com novo nome para dar assunto para as “grandes oposições” continuarem sua “brava” luta e, de comum acordo com o PT, evitar qualquer discussão ideológica. Dou-me por satisfeito pelas minhas previsões terem sido confirmadas e passo a estudar as raízes da onipotência do Estado entre nós.
* * *
Dois leitores escreveram privadamente para me dizer que eu bato mais na chamada oposição do que no PT o que faz parecer que eu seja um PeTista enrustido, um quinta-coluna na oposição. O mesmo já tinha ocorrido de forma mais agressiva e inamistosa por ocasião da eleição de 2006 quando eu dizia que o Alckmin não passava de um personagem-escada: no teatro, o personagem que não precisa existir, nem faz parte da trama, só é posto ali para o artista principal dizer o seu script (como a Lenir da atual novela das 8 que só está ali para o personagem da Marília Pêra ter com quem falar. Aliás, a atriz Guida Viana tem uma atuação bem melhor e mais convincente do que a do chuchu!). Diziam-me, então, que votar nele era a única chance de evitar mais quatro anos de PT e Lula. Sim, mas para quê?
E este é o âmago do imbróglio: oposição a quê? Ao PT? Ao Lula? Ao Foro de São Paulo? Denunciar os crimes deles sim, e não me canso de fazê-lo. Mas oposição a eles? Para quê se o problema não são eles, mas a estrutura centenária – e de tradição milenar - do Estado brasileiro, da qual eles não são causa, mas conseqüência? Se não mudarmos esta estrutura de nada adiantará mudar os homens ou partidos que eventualmente ocupem o poder. No artigo anterior demonstrei que nenhum dos pontos críticos apontados no caminho do Estado totalitário é originário de iniciativas petistas, mas de governos anteriores, inclusive dos que hoje posam de oposicionistas ou de governantes “liberais” como Collor que nos legou o famigerado Estatuto da Criança e da Adolescência (apropriadamente chamado ECA!!!!) e as mentiras convenientes do ambientalismo. A própria “Constituição Cidadã” de 1988 é um instrumento ideal para traçar o caminho rumo ao totalitarismo. No background está a tradição caudilhesca do grande “estadista” Vargas. Este é o abismo intransponível entre discussão de politicagem chula e rasteira e luta ideológica.
Opor-se a quê, então? Faz-se necessário investigar como chegou a se estruturar entre nós um Estado cujo Governo paira acima da liberdade individual dos cidadãos, com a cumplicidade explícita de todos os partidos e dos grandes banqueiros e empresários. Como dizia o ex-presidente de Gana, Kwame Nkrumah: “Buscai primeiramente o domínio político e todas as demais coisas vos serão dadas”. Como a bela arte da política se transformou nesta mixórdia e a classe política nesta choldra?
O ESTADO ONIPOTENTE E ILIMITADO
A onipotência do Estado é a negação da liberdade individual [1]
JUAN BAUTISTA ALBERDI
Alberdi (1810-1884) foi o idealizador da única Constituição liberal que existiu na história da América Latina. Com a derrota em Monte Caseros (1852) do último caudilho bonaerense, Juan Manuel de Rosas, assume o vitorioso Governador da Província de Entre Ríos, Justo José de Urquiza e abre-se a oportunidade para um primeiro governo constitucional. Alberdi, ainda no exílio, redige e publica às pressas um extenso e profundo estudo constitucional e esboça uma Constituição para seu País [2]. Aprovada pelo Congresso Constituinte em 1º de maio de 1853 e baseada fundamentalmente na Constituição Americana e na tradição, costumes e instituições anglo-saxônicas, abriu o país à emigração de europeus com toda liberdade econômica e levou a Argentina do final do século XIX e início do XX a ser uma das dez maiores economias do mundo. Até os novos caudilhos populistas – os grandes “estadistas” - se apresentarem como “defensores do povo”. A Reforma de 1949, efetuada por Juan Domingo Perón alegando a necessidade de incorporar novos “direitos sociais” e novas funções onipotentes do Estado, incluindo a re-eleição sem limites, levou o País à miséria outra vez.
Alberdi tem idéias próprias sobre a inter-relação Pátria-Estado-Governo, que são muito enriquecedoras para a discussão que fundamentará minha posição quanto ao moderno Estado onipotente brasileiro. Iniciemos por sua compreensão do despotismo que assola nosso Continente:
“... o despotismo e a tirania comum nos países Sul-Americanos, não residem no déspota ou no tirano, mas na máquina ou construção mecânica do Estado, pelo qual todo poder de seus membros individuais, refundido e condensado, cede em proveito de seu Governo e fica nas mãos desta instituição. O déspota ou o tirano é o efeito e o resultado, não a causa da onipotência dos meios e forças econômicas do país postas em poder do estabelecimento de seu governo e do seu círculo pessoal que personifica o Estado pela máquina do próprio Estado”.
Enquanto os países anglo-saxônicos privilegiam a liberdade individual e a livre iniciativa, nossos países infelizmente colocam a Pátria, o Estado acima de seus cidadãos; estes, portanto, ao invés de se sentirem responsáveis pela geração de riqueza, deixam tudo nas mãos do Estado de quem esperam, em contrapartida, todas as benesses. Assim,
“... deixar nas mãos do Governo da Pátria todo o poder público adjudicado à própria Pátria, significa deixar os cidadãos que a compõem sem o poder individual, a liberdade individual, que é a única liberdade real dos países que governam a si mesmos, que se educam, que enriquecem e engrandecem pelas mãos do povo, e não dos governos”.
O caminho a ser trilhado enquanto – e se ainda - há tempo é buscar a reforma completa da textura do Estado que reina em nossas infelizes nações como uma herança maldita dos tempos coloniais. Não é possível confiar que algum partido político venha a fazê-lo pelo povo, pois todos estão interessados em manter e aprofundar o poder onipotente do Estado, cujo Governo controlam, constituindo a Nova Classe.
“O primeiro dever de uma grande revolução feita com a pretensão de mudar o regime social do governo deverá ser o de mudar a contextura social que teve por objetivo fazer do povo colonial uma máquina fiscal produtora de força em proveito de seu dono e fundador da Metrópole. De outro modo, as rendas e produtos da terra e do trabalho anual do povo seguirão destinados, sob a república nominal, ao que foram sob a monarquia efetiva: aonde, por exemplo? A todas as partes, menos para as mãos do povo”.
A herança do Estado onipotente nos foi legada pelos colonizadores ibéricos e pela Revolução Francesa. Diferentemente dos países da América anglo-saxônica, não somos originados de um fluxo migratório de fugitivos de Estados onipotentes que para lá foram se estabelecer em definitivo e constituir descendência, mas da instalação do próprio Estado onipotente através da colonização. Pizarro, Cortéz e os Bandeirantes não vieram para cá com a finalidade de se estabelecer e chamar suas famílias para aqui prosperarem. Os Virreyes de Espanha e os governantes das Capitanias Hereditárias em nome D’El Rei, não tinham a mínima intenção de facilitar o crescimento econômico das terras conquistadas – tinham apenas uma distante noção do liberalismo econômico que vicejava na Inglaterra e se espraiava nas suas colônias na América e mais tarde na Austrália. Mesmo que distante temiam o movimento liberal que arrasaria seu poder, por isto a economia Ibérica era fechada, todo patrimônio era Patrimônio Real. Os colonizadores espanhóis e portugueses viam nossos territórios exclusivamente como fontes de minerais preciosos para maior glória de sua opulência, como objetos de roubo puro e simples para encher as arcas do Tesouro Real, restando algumas migalhas para os intermediários.
“Mas para que este objetivo não degenerasse num sistema capaz de dar riqueza e poder aos colonos, em lugar de dá-los ao monarca, a colônia recebeu a Constituição social e política que tornaria seu povo um mero instrumento do patrimônio real, um simples produtor fiscal da conta do seu governo e para seu real benefício”.
É claro que entre a hispano-américa, de que se ocupou Alberdi, e o Brasil, além da herança que é comum a todas as ex-colônias ibéricas, existem diferenças que serão apontadas ao longo do texto.
INDEPENDÊNCIA DA PÁTRIA E LIBERDADE DOS HOMENS
A liberdade da Pátria é a independência de todo país estrangeiro. A do homem é a independência do indivíduo em relação ao governo de seu próprio País. A liberdade da Pátria é compatível com as maiores tiranias e ambas podem existir num mesmo país.
ALBERDI (op.cit.)
Com o êxito da Revolução Americana o ideal nacionalista cresceu como rastilho de pólvora levando à conflagração do restante do continente. As guerras napoleônicas enfraqueceram a Espanha tornando mais fácil o movimento de libertação, enquanto a fuga da família real portuguesa para o Brasil selou os dois destinos aparentemente opostos entre as colônias espanholas e a portuguesa: enquanto os países da Hispano-América ao se libertarem tornaram-se Repúblicas, o Brasil virou Reino.
O que os libertadores queriam era substituir a “nobreza de sangue” pela “nobreza do trabalho” como os Estado Unidos haviam feito em 1776 ao declarar a independência, expulsar os ingleses e proclamar a República. No entanto, se a Revolução Americana era admirada e tomada como modelo consciente, inconscientemente foi a Revolução Francesa que influiu nos movimentos de libertação levando, como na França, os libertadores a se constituírem na nova classe que abominava o trabalho próprio, mas adorava o do povo de cujas rendas se apoderavam. As elites que conduziram o processo – das quais são símbolos máximos Bolívar, San Martin e O’Higgins – simplesmente se apossaram do poder, da soberania e da onipotência antes representados pela Coroa. Constituiu-se uma nova classe que se apossou do privilégio de continuar ocupando a “esfera do antigo poder metropolitano”. Não somente o poder mas também as rendas do trabalho de todos.
“As velhas arcas que eram recipientes do tesouro real se perderam como as águas de um rio que se espalha pelos campos e se dissipa ao regar a classe, ou porção do povo a quem coube o privilégio de continuar ocupando a esfera do antigo poder metropolitano, quais sejam, o gozo dos benefícios que a máquina real seguirá tirando do solo e do trabalho do país. Nas mãos dessa porção ou classe privilegiada do país oficial seguirá existindo o poder e a liberdade das quais será excluído e privado o povo, sucessor nominal dos antigos soberanos. Não será o Estado, mas seu representante (que é o Governo do Estado) que seguirá exercendo e gozando a onipotência dos meios e poderes entregues à Pátria pela máquina do velho edifício colonial persistente” (op.cit.).
No Brasil a situação foi pior ainda. Quando o restante da América do Sul já se tornara independente e havia expulsado os invasores espanhóis, no Brasil é um Príncipe Português da mesma estirpe aristocrática invasora que há 300 anos saqueava nossas riquezas naturais e o produto do trabalho brasileiro através da derrama, que assume o poder em nome de uma suposta independência. Suposta porque nada mudou, como no célebre romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, “Il Gattopardo": Tancredi, tentando convencer seu tio Don Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina, a abandonar sua lealdade ao Reino das “Duas Sicílias” e aliar-se à dinastia de Savóia, dizia: “A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”.
Pois os portugueses foram mais espertos: João VI e Pedro, Príncipe Regente e mais a aristocracia portuguesa e os brasileiros pretendentes a fazer parte dela, deram-se as mãos, o Príncipe passou a Imperador, nada mudaram, mas evitaram se submeter à República até 1889. O Brasil tornou-se uma insólita exceção monárquica num continente que, das Rochosas aos Andes era constituído por Repúblicas. Apenas o Uruguai continuou parte do Império como Província Cisplatina (desde 1815), em grande parte por medo que os ardores republicanos de Artigas, Lavalleja e Rivera contaminassem as províncias meridionais, como viria inevitavelmente a acontecer na Revolução Farroupilha. Após uma guerra sem sentido com a Argentina foi declarada em 1828 a Independência da República Oriental del Uruguay.
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Porém, pela posse dos antigos privilégios reais e aristocráticos pela nova classe autóctone, as Repúblicas da América do Sul, estabelecidas a partir de 1810, ficaram mais parecidas com o Império Brasileiro do que com a República Americana, resultando na pobreza desses países em contraste com a riqueza a longo prazo dos EUA. Pois, apesar do Brasil imperial ser inicialmente mais rico do que aquela nação a base da riqueza não se sustentava. Como bem o diz ainda uma vez Alberdi [3]:
“Com efeito, quem faz a riqueza? É obra do governo? Se pode decretar a riqueza? O governo tem o poder se estorvar ou ajudar sua produção, mas a criação da riqueza não é jamais obra sua. A riqueza é obra do trabalho, do capital e da terra; e como estas forças consideradas como instrumentos de produção, não são mais que faculdades que o indivíduo põe em exercício para criar os meios de satisfazer as necessidades de sua natureza, a riqueza é obra do homem, imposta pelo instinto de auto-conservação e melhoria de vida, e obtida tão somente pelas faculdades de que se encontra dotado para cumprir seu destino no mundo. (...) O maior inimigo da riqueza de um país é a riqueza do fisco”.
Exatamente na resposta à pergunta acima – quem faz a riqueza? – falharam os libertadores: absorveram a idéia real e imperial ibérica de que a riqueza é feita através da espoliação de todos os “instrumentos de produção” por uma classe aristocrática; do capital, da terra e do produto do trabalho do povo via fisco. Enquanto os Estados Unidos estatuíam na sua Declaração de Independência que “Acreditamos que sejam verdades evidentes por si mesmas que todos os homens são criados iguais; que são dotados por seu Criador com alguns direitos inalienáveis; entre eles a vida, a liberdade e a busca da felicidade”, o que fizeram os libertadores? Apropriaram-se do lugar da classe aristocrática que expulsavam, tornando-se eles próprios os espoliadores. No Brasil nem isto, a velha casta espoliadora portuguesa permaneceu intacta e só cresceu em número com as incessantes concessões de títulos nobiliárquicos a cidadãos nacionais como uma espécie de cala-boca. Nossa história é tão peculiar e esquizofrênica que mesmo decorridos 118 anos de República ainda existe “família imperial”, príncipes “pretendentes” ao trono (que não mais existe), nobres, e até mesmo – não sei dizer se ainda hoje persistem – direitos especiais de foro, enfiteuse e laudêmio e privilégios diplomáticos.
* * *
Na geração e distribuição da riqueza e no estatuto da propriedade sem limitações de nenhuma natureza, reside a possibilidade de desenvolvimento de um povo em liberdade – e só um povo livre para fazer o que bem entender de suas rendas e propriedades, sem exclusão de ninguém, que tenha protegidos e assegurados o usufruto dos resultados de suas capacidades, tornará rica uma nação.
“Neste sentido, o que exige a riqueza por parte da lei para ser criada e produzida? O que Diógenes exigia de Alexandre: que não lhe faça sombra”.
Com exceção da Argentina oriunda da Constituição de 1853, nenhum outro país da América espanhola ou portuguesa atingiu o estado de país rico – o que hoje chamaríamos um país “de primeiro mundo”. Mesmo o Brasil, que partiu de uma posição privilegiada pelo fausto da Corte Imperial, em relação às 13 pobres Colônias de agricultores da América do Norte, foi capaz de sustentar esta posição. Não porque nossos governantes fossem piores, ou mais corruptos dos que os Americanos. Exclusivamente porque lá foi aprovada uma Constituição para limitar os poderes do governo, para assegurar o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade
“... os governos são constituídos entre os homens, derivando seu justo poder do consentimento dos governados; que, sempre que alguma forma de governo venha a se mostrar destrutiva desses objetivos, é direito do povo alterá-lo ou aboli-lo, e instituir um novo governo fundamentado naqueles princípios ...” (Declaração de Independência).
Na segunda parte discorrerei sobre A Concepção Sagrada da Pátria, a persistência dos Mitos e Ritos pátrios pagãos na atualidade, a função liberalizante do Cristianismo e retornarei ao Estado Onipotente no Brasil atual.
Notas:
1. Discurso pronunciado na formatura da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, em 24 de maio de 1880, ocasião em foi nomeado Membro Honorário da Faculdade. Todas as demais citações sem referência são deste discurso. Junto com Domingo Sarmiento e Bartolomé Mitre fez parte da chamada “Geração de 1837” que veio a formular as bases para a futura organização da Argentina. Sofrendo a influência da obra de Aléxis de Tocqueville, principalmente Democracy in America e John Stuart Mill (On Liberty), passaram a se manifestar desde o exílio sobre a necessidade de constituir uma federação baseada nas liberdades individuais, no direito de propriedade, equilíbrio e divisão dos poderes, constitucionalismo e limitação dos poderes do Estado. (Tradução de minha autoria).
2. Bases y Puntos de Partida para la Organización Política de la República Argentina, Imprenta del Mercurio, Valparaíso, Chile, maio de 1852 – Edição consultada: Librería Histórica, Buenos Aires, 2002.
3. Sistema Económico y Rentístico de la Confederación Argentina – según su Constitución de 1853.
O autor é escritor e comentarista político, membro da International Psychoanalytical Association e ex-Clinical Consultant, Boyer House Foundation, Berkeley, Califórnia, Membro do Board of Directors da Drug Watch International, e Diretor Cultural do Farol da Democracia Representativa (http://www.midiasemmascara.org/%22http://www.faroldademocracia.org/%22) . Possui trabalhos nas áreas de psicanálise e comentários políticos publicados no Brasil e exterior. E é ex-militante da organização comunista clandestina, Ação Popular (AP).

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