Olavo de Carvalho
09 Dezembro 2010
Quando me mostraram um vídeo em que Carlos Vereza, no programa do Jô Soares, falava o diabo do governo, julguei que se tratava de uma explosão emocional inconsequente, fútil. O que me levou a essa conclusão foi o fato de que o ator, por baixo de suas acusações aos ocupantes do poder, tentava salvar a honra do discurso esquerdista que, precisamente, os havia colocado lá.
"Aí está - pensei - mais um brasileiro que odeia as consequências sem deixar de amar as causas."
Agora, lendo o seu blog (http://carlosverezablog.blogspot.com/2010/11/forcas-armadas-acordem.html), percebo que Vereza evoluiu muito desde aquele primeiro protesto. Está sinceramente angustiado com o estado de coisas e não cessa de colocar em revisão suas velhas crenças, com notável coragem moral, em busca de uma explicação e de um remédio.
O horror que a barbárie petista lhe inspira faz com que chegue até a aceitar a conveniência de uma intervenção militar saneadora - ideia que ninguém pode alimentar sem primeiro ter se libertado de todo preconceito antidireitista e, especialmente, da visão estereotipada e caluniosa do golpe de 1964, que se consolidou na opinião pública como fruto de uma das mais vastas, obstinadas e irrespondidas campanhas difamatórias que o mundo já conheceu.
Quando um intelectual com raízes esquerdistas tão fundas chega a esse ponto, é que seu desespero ante a feiura indescritível do panorama político-cultural já expulsou da sua mente os últimos resíduos daquele sentimento de dívida moral que a máquina de dominação esquerdista sabe com tão ardilosa astúcia infundir, preventivamente, na alma de seus adeptos e simpatizantes, para aprisioná-los numa rede de escrúpulos paralisantes em caso de perda do entusiasmo revolucionário.
Esses fantasmas sempre podem ser expulsos, mas o custo emocional do exorcismo é ainda mais elevado que o do isolamento social, das chacotas, dos insultos, das amizades perdidas, do boicote profissional e demais sanções que a engenhoca infernal do Partido, montada para reinar soberanamente sobre a intimidade mais secreta das consciências, faz desabar sobre o infeliz que, de repente ou pouco a pouco, comece a enxergar a maldade do esquema em que colaborou por anos a fio.
A primeira tentação é a de acusar esse esquema de "incoerência", condená-lo como infiel a seus próprios princípios, sem perceber que a mescla indissolúvel da política e do crime, das belas palavras com os atos mais hediondos e escabrosos, longe de ser traição ou desvio, é ela própria um dos princípios orientadores da estratégia revolucionária desde o tempo de Karl Marx, que considerava a extinção violenta de povos inteiros um preço modesto para o advento de um sistema social do qual se contentava com ter nada mais que uma idéia muito geral e vaga. O apelo revolucionário de Karl Marx, bem como o de seus sucessores, resume-se na proposta mais cínica que algum celerado já fez a seus irmãos humanos: "Matem e morram por algo que inventei, mas que eu mesmo não sei dizer o que é."
Se perguntamos como foi que promessa tão evanescente logrou seduzir e escravizar tantos milhões de pessoas cultas, a melhor resposta ainda é a do ex-militante Douglas Hyde em seu livro Dedication and Leadership, de 1966: o partido não domina as almas dos militantes pelo que lhes dá, mas pelo que lhes toma.
Quanto mais você lhe oferece dedicação, esforço, dinheiro e até a renúncia à sua dignidade pessoal, mais se sente devedor, porque deu ao movimento revolucionário sua alma, seu coração, toda a sua substância espiritual, e, ante a mera hipótese de sair dele, se sente só, desprezível, um cadáver moral. Para libertar-se dessa obsessão, é preciso uma espécie de virilidade intelectual que vai se tornando mais rara que a virilidade física.
De longe, aprecio o esforço interior de Carlos Vereza, sabendo que seu despertar veio tarde demais
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